Este é o ponto basilar que deve ser debatido seriamente por todos os intervenientes no espaço público com influência nas políticas rodoviárias e de mobilidade. Não posso deixar de discordar com o contexto das afirmações do Dr. Jorge Jacob, presidente da ANSR, quando refere que os ciclistas precisam de ser “disciplinados”; pois os dados estatísticos na realidade demonstram que cidades que favoreçam políticas mais amigas de ciclistas e peões, são cidades que têm índices de segurança rodoviária muito superiores. É fácil de perceber que quando se promove acalmia de tráfego, quando se alargam os passeios e se diminui a largura das estradas, quando se colocam zonas de abrandamento de velocidades, quando se criam zonas partilhadas; todas estas medidas promovem invariavelmente melhorias nos índices de segurança rodoviária.
Na realidade, as políticas urbanas de mobilidade de atração de peões e ciclistas para as cidades, são as mesmas ou muito similares às políticas de promoção da segurança rodoviária.
By Wittink, Roelof, I-ce Interface for Cycling Expertise: |
Nos gráficos acima, que provêm de fontes diferentes, podemos constatar, que os dados demonstram que as melhores políticas para promover a segurança de ciclistas, não é de todo censurá-los ou incriminá-los por passarem sinais vermelhos, mas na realidade atrair mais ciclistas para as ruas. Os dados extraídos de diversos países mostram invariavelmente que quanto mais km se pedala, menor são as fatalidades por km percorrido. Ou seja, existe uma relação inversamente proporcional entre a atividade ciclística e a sinistralidade rodoviária para esses mesmos ciclistas. Pelo contrário, após coligidos e combinados os dados sobre sinistralidade rodoviária com o número de km percorridos em alguns estados da União Europeia, constata-se que para o automóvel não existe essa relação.
Se analisarmos o gráfico acima onde são consideradas as fatalidades por pessoa-km, percebemos que não existe relação entre maior massificação do automóvel, e a probabilidade de um determinado indivíduo ter um acidente ao longo de um km. Ou seja, a sinistralidade rodoviária devido ao automóvel por pessoa por km, aparenta não depender dos km percorridos por pessoa por dia, sendo que praticamente todos os países têm taxas de utilização do automóvel próximas dos 30km percorridos em média por pessoa-dia, com sinistralidades variadas. Essa variação na sinistralidade poderá depender, estou em crer, de questões culturais e de respeito pelos códigos da estrada, ou de medidas de promoção da segurança rodoviária em cada país (compare-se por exemplo Itália e Suécia).
Estas diferenças na segurança rodoviária entre a massificação da bicicleta e do automóvel não são de estranhar, pois a bicicleta por norma é um veículo cujo peso total com o passageiro deverá rondar em média os 90kg, a uma velocidade em média de cerca de 15km/h. Pelas leis da mecânica clássica, um automóvel de uma tonelada a 50km/h tem uma energia cinética 120 vezes superior à da bicicleta com o seu passageiro. Num caso de atropelamento, sendo a energia cinética do veículo um fator preponderante para a fatalidade do acidente, percebe-se facilmente que o risco de acidente com um automóvel é incomensuravelmente maior do que um acidente com uma bicicleta, por muito ousadas que sejam as manobras do ciclista.
Para confirmamos que a energia cinética é um fator importante, podemos observar por exemplo a probabilidade de atropelamento mortal em embates de automóveis contra peões. A energia cinética depende linearmente com a massa e quadraticamente com a velocidade, ou seja depende do quadrado da velocidade. Este fator quadrático, faz com que a partir de certa velocidade, pequenos incrementos na velocidade, tenham grandes incrementos na energia. Não é de estranhar então, que a probabilidade de um acidente com um automóvel ser fatal em várias situações, obedece a um fator muito semelhante a um fator quadrático a partir de determinada velocidade, como pode ser visto no seguinte gráfico.
Risco de fatalidade em função da velocidade, em acidentes envolvendo automóvel |
São atropeladas mortalmente nas cidades portuguesas mais de cem pessoas por ano. Em média só em Lisboa são atropeladas duas pessoas por dia. Faço aqui um apelo ao Dr. Jorge Jacob, para que seja sensível a estes dados que não podem de todo ser ignorados pelos agentes que promovem a segurança rodoviária em Portugal. Os dados mostram de forma objetiva e clara, que a forma mais eficaz e com resultados mais tangíveis para aumentar os índices de segurança rodoviária nas cidades, é a acalmia de tráfego e o abrandamento de velocidades, reduzindo a preponderância e a hegemonia que os automóveis têm nas zonas urbanas.