Eleições Autárquicas 2021

CARtoons por @Andy Singer

Em qual destes dois bairros gostavas de viver, trabalhar, estudar e passar os teus dias?

Em altura de eleições autárquicas, gostava de ver um ou mais candidatos (a municípios ou freguesias) com uma proposta de recriar o exemplo de sucesso da cidade galega de Pontevedra, que colocou as pessoas em primeiro lugar, restringindo o espaço dos automóveis, que antes dominavam a cidade.

Imaginem podermos escolher viver numa cidade ou numa freguesia assim? Quantas famílias não gostariam de mudar para um lugar destes?

A freguesia onde moro em Lisboa, Parque das Nações, sofre, como o resto da cidade e do país, duma excessiva dependência do automóvel para quase todas as deslocações, mesmo as mais curtas. Tal acontece porque se criou uma enorme oferta de espaço rodoviário e de estacionamento, que despejam todos os dias dezenas de milhares de carros, a grande maioria com apenas uma pessoa. As empresas e espaços comerciais do Parque das Nações oferecem dezenas de milhares de lugares de estacionamento, muitos a custo zero para o utilizador, mas que acarretam um prejuízo diário para todos: mais congestionamento, mais poluição, maior insegurança rodoviária e menos espaço público disponível para outras alternativas de transporte muito mais sustentáveis. As escolas, sem espaços seguros e livres de carros à sua volta, continuam a ser também um lugar poluído, caótico e perigoso para as crianças e jovens serem mais autónomos. O autocarro da freguesia circula com intervalos de 40 minutos, o que não é nada atrativo. Apesar de haver algumas ciclovias, são poucas e insuficientes, têm descontinuidades, estão restritas apenas a alguns percursos, ignorando o efeito de rede e interligação. Não existe uma única ligação às freguesias vizinhas que não esteja interrompida. A zona poente não tem nenhuma rede ciclável. Esses poucos metros que faltam resolver ou construir (Av. D. João II / Av. Pacífico, Av. Mediterrâneo / Av. Pádua, Av. Fernando Pessoa, Av. Boa Esperança, etc.) são o suficiente para impedir que muitas pessoas usem a bicicleta como meio de transporte diário ou ocasional.

Deixo aqui um texto retirado de outro site que resume o sucesso da transformação de Pontevedra, desde que Miguel Anxo Lores se tornou alcaide.

“Há 20 anos, havia ruas na cidade galega de Pontevedra onde passavam perto de 30 mil carros por dia. Os residentes usavam o automóvel até para percorrer curtas distâncias. Em 1999, com a eleição de Miguel Anxo Lores, a situação começou a mudar.

Miguel Anxo Lores, foi eleito pelo Bloque Nacionalista Galego (BNG), um partido de esquerda nacionalista e independentista galego. Antes de ser eleito alcaide de Pontevedra Miguel Anxo Lopes era médico de cuidados de saúde primários.

O alcaide arrancou com um plano de recuperação do espaço público, no início do século que agora tem resultados visíveis. Hoje, 72% das deslocações são asseguradas a pé ou de bicicleta e o carro está reduzido ao absolutamente necessário para garantir o funcionamento da cidade.

A cidade de Pontevedra tem 80 mil habitantes e na altura não parecia fácil, mesmo assim, no primeiro ano de mandato. Os carros foram retirados do centro histórico e foram sendo criados passeios, áreas pedonais e trajetos escolares. Ao mesmo tempo foi criado estacionamento subterrâneo para retirar os carros das ruas.

Aos poucos a proibição de circulação automóvel foi sendo estendida a todo o centro urbano. “Cerca de 60% a 70% da área da cidade ficou destinada ao espaço público e cerca de 20%, 30% aos carros”, disse, numa entrevista ao DN, quando esteve em Lisboa, no ano passado, para participar numa tertúlia da Brasileira do Chiado, sobre a mobilidade na capital portuguesa.

Ao mesmo tempo foram tomadas medidas de acalmia do trânsito, como substituição de semáforos por rotundas e redução da velocidade para 30 quilómetros hora. Isso foi em 2010, agora há zonas de 20 e de 10 quilómetros hora.

O que resultou destas medidas tornou a cidade de Pontevedra falada em todo o mundo. Uma redução de 67% nas emissões de CO2, valores abaixo dos índices recomendados pela OMS em gases tóxicos como o dióxido de nitrogénio, dióxido de enxofre e ozono troposférico e um aumento de 30% das receitas comerciais. Ao mesmo tempo, a população da cidade cresceu e tem agora mais 12 mil habitantes e mais 14% de população na faixa entre os zero e os 14 anos.

Em Pontevedra, não morre uma pessoa no trânsito desde 2011.” (*)

Lanço à futura presidência da Junta de Freguesia do Parque das Nações o desafio de colocar as pessoas em primeiro lugar, sugerindo as seguintes medidas:

  • Tornar toda a freguesia uma Zona 30, com algumas zonas de coexistência (máx. 20 km/h) junto a escolas e áreas mais residenciais.
  • Trocar semáforos por medidas físicas e eficazes de acalmia de tráfego.
  • Instalar radares inteligentes de controlo de velocidade por todo o bairro.
  • Restringir o tráfego motorizado de atravessamento junto à porta das escolas, criando bolsas de segurança.
  • Desenvolver rotas seguras a pé e de bicicleta para todas as escolas, integradas em planos de mobilidade escolar sustentável para cada escola
  • Construir as muitas ligações em falta na rede ciclável às freguesias vizinhas.
  • Rebaixar todos os passeios em falta para tornar a mobilidade pedonal acessível a todas as condições e eliminar completamente os desníveis nas ciclovias.
  • Aplicar uma taxa por cada lugar de estacionamento em uso nos edifícios empresariais e comerciais, que reverta a favor da melhoria da mobilidade sustentável (pedonal, ciclável e transporte público) e que permita também mitigar os prejuízos ambientais, económicos e de saúde gerados pelo tráfego motorizado que entra e sai desses estacionamentos, assim como reduzir/desincentivar essas viagens de carro.
  • Aumentar a frequência de passagem dos autocarros de bairro para intervalos de 10 ou 15 minutos.
  • Disponibilizar um parque de estacionamento seguro de longa duração para bicicletas na Gare do Oriente, como existe noutras cidades.
  • Criar ligações contínuas para peões e bicicletas, colocando-os em primeiro lugar na hierarquia da mobilidade, tal como foi feito no cruzamento do Passeio Adamastor com a Rua das Musas. Pode-se começar por criar uma ligação decente à Estação de comboios de Moscavide (ver artigo). 

Além destas medidas, sugerimos a consulta do manifesto Cidades Vivas da MUBi para as autárquicas de 2021, com 10 medidas para devolver a cidades às pessoas: https://cidadesvivas.mubi.pt/

Referências:

Parque das Nações, 1 de Setembro de 2021

Gonçalo Peres

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